A produção de conteúdo digital e a velocidade e facilidade com que esse conteúdo circula, se adapta e se transforma, têm alterado a nossa percepção de propriedade de modo geral. Ora, não era de se estranhar que o nosso entendimento de o que é propriedade intelectual, e como ela deve ser garantida, sofresse abalos diante da efervescência tecnológica em que vivemos hoje.

“Criatividade digital, a Cultura Re-imaginada”, foi o tema das comemorações do Dia Mundial da Propriedade Intelectual, 26/04/2016, organizadas pela OMPI – Organização Mundial da Propriedade Intelectual. Não podia ser diferente! Com a internet, e as novas tecnologias, faz-se urgente repensar qual será o papel da propriedade intelectual no futuro da cultura e do desenvolvimento tecnológico da humanidade.

Direitos autorais e internet, novas estratégias de proteção de marca e proteção intelectual no mundo da impressão 3D: são esses os pontos que serão abordados a seguir.

Direitos autorais e internet

As manifestações da personalidades, as criações artísticas, são tradicionalmente protegidas por direitos autorais, uma espécie do gênero da Propriedade Intelectual. O direito autoral sobre uma criação confere o direito personalíssimo de atribuição de autoria, assim como o direito patrimonial de exclusividade de uso e exploração econômica.

Mas aí veio a internet! A internet se desenvolveu e se apresenta hoje como um poderoso instrumento para as mentes criativas. Esse meio de liberdade criativa deu espaço para a proliferação de reprodução digital de conteúdo não autorizado, a famigerada pirataria na internet. Esse ponto por si só já tem tirado o sono dos estudiosos da propriedade intelectual.

Mas precisamos pensar também sobre o mito de que conteúdo intelectual produzido na forma digital não tem valor econômico, não vale dinheiro. Essa noção está errada e exige que as noções de propriedade intelectual evoluam a ponto de corrigir esse contrassenso.

Realmente, é ainda menos palpável a propriedade sobre conteúdo, artístico ou não, produzido na internet, como textos de blogs, videos, gravações, figuras, fotografias compartilhadas. Mas isso não quer dizer que quem produziu esse conteúdo não tenha a autoria reconhecida, da mesma forma com que um escritor, um pintor, um músico profissional tem.

A princípio, recaem direitos autorais sim sobre conteúdo digital, e garantir a seu criador a exclusividade de exploração econômica de suas obras para que ele continue se sentindo estimulado a criar é uma forma de validação, reconhecimento, de que a sua arte tem valor.

Marcas e presença digital

Mas não são apenas os direitos autorias que precisam ser repensados quando se trata de internet. Hoje as marcas – sinais que distinguem um produto ou serviço em um mesmo segmento de mercado – valem-se da internet como meio para alcançarem seus consumidores, obterem seu reconhecimento e demonstrarem seu diferencial.

A presença digital é hoje um grande fator para a construção do renome de uma empresa. Mas assim como pode ser um instrumento positivo, se não for bem utilizado, pode trazer grandes prejuízos para a sua reputação.

Além disso, já não basta a proteção por registro de um nome, um logotipo, um sinal para identificar uma marca na internet. A presença digital exige que as empresas garantam seus nomes de domínio, perfis nas redes sociais, além do uso de hashtags em suas postagens. Deslizes na proteção desses pontos, que hoje já constituem ativos intangíveis das empresas, podem trazer prejuízos irreparáveis tanto monetários quanto de reputação.

Impressão 3D e Propriedade Intelectual 

E o que dizer da impressão 3D? Hoje, a principio, qualquer criação humana pode ser materializada, em praticamente qualquer material, a partir do ligar ou desligar de um botão. Quem imaginaria isso lá no passado quando os primeiros direitos de propriedade intelectual foram introduzidos nas legislações dos Estados?

Poder imprimir praticamente qualquer coisa com impressão 3D, significa uma liberdade de criação inigualável. Já estamos desfrutando esses efeitos com próteses ósseas específicas para cada paciente, ou produtos com designs cada vez mais arrojados ou úteis. Formas que antes eram consideradas impossíveis, hoje se materializam.

Mas, como fica a questão daquele produto que antes seria muito difícil de ser reproduzido sem autorização do detentor da patente, por exemplo, e que hoje com uma simples impressora 3D consegue se materializar em sua casa. Os freios de reprodução de propriedade intelectual de terceiro de antes, que já apresentavam suas dificuldades, estão cada vez mais frouxos.

Que isso é bom para o avanço criativo da humanidade, não há dúvida. Mas quem e como serão remunerados os criadores? E os produtos de impressão 3D serão protegíveis por direitos autorais ou propriedade industrial: patente, desenho industrial? Quem irá assegurar, e principalmente como será assegurada a propriedade intelectual alheia frente a reprodução e exploração não autorizada?

Não há ainda respostas prontas para esses questionamentos. Os direitos de propriedade intelectual tiveram, e ainda tem, um papel central no modelo econômico capitalista, mas pensar em como esses institutos vão funcionar no futuro é urgente, e representa uma grande parte de como nós vamos nos desenvolver enquanto humanidade. 

aline

Aline Schraier de Quadros

é advogada de Propriedade Intelectual, formada na UFPR e Universidade de Coimbra, tem experiência nas áreas de Propriedade Intelectual, Estratégia, Transferência de Tecnologia, Contratos e Direito Empresarial. Conecte-se com Aline pelo LinkedIn.

 

Esse texto “Os desafios do futuro da Propriedade Intelectual” é livre e open source. Você tem permissão para republicar esse texto sob licença Creative Commons (https://creativecommons.org/licenses/by/3.0/br/) , atribuindo a autoria a “Aline Schraier de Quadros”, HQ Advisory, 30 de abril de 2016, 22h39. Se você identificar algum erro de digitação, mande um e-mail para [email protected]