Não há um conceito de autoria nos diplomas legais internacionais que compõem o arquipélago da proteção de propriedade intelectual, dando pouco suporte em nível internacional para a resolução dos desafios inerentes à identificação de autoria de obras geradas por inteligência artificial. Cabe pois aos direitos internos, considerando parâmetros mínimos conferidos no
sistema internacional, estruturar a proteção a nível nacional.
A autoria é cerne da proteção dos direitos morais e materiais conferidos pelo atual sistema internacional de propriedade intelectual. Apesar da ausência de um conceito legislado de autoria nos tratados que compõem o sistema internacional de propriedade intelectual, entende-se que o elemento humano é o centro irradiador de efeitos para proteção de direitos autorais.
Ainda, para compreender o que se tem hoje como conceito de autoria vale lembrar a sempre torturante questão do embate entre as concepções que abrangem direitos autorais. O direito de autor, droit d’auteur, corresponde ao sistema francês ou continental, que originalmente, se ocupava da criatividade da obra a ser copiada e dos direitos morais do criador da obra. No
direito de cópia, ou copyright, do sistema anglo-americano, o direito a ser protegido é a reprodução de cópias, e originalmente enfatizava mais a proteção do editor do que do autor. Ressalta-se que no Brasil, a título ilustrativo, por força da tradição de direito romano, adotou-se o direito do autor, como pessoa física, e é dele o direito de reprodução.
Tradicionalmente, a propriedade de direitos autorais em obras geradas por computador não estava em questão porque o programa era apenas uma ferramenta que apoiava o processo criativo, muito parecido com uma caneta e um papel.
Os trabalhos criativos se qualificam para proteção de direitos autorais se forem originais, com a maioria das definições de originalidade exigindo um autor humano. Os mais recentes tipos de inteligência artificial, o programa de computador não é mais uma ferramenta; na verdade, toma muitas das decisões envolvidas no processo criativo sem intervenção humana. E com dado poder de computação suficiente, em breve será impossível distinguir entre conteúdo gerado por pessoas e gerado por máquinas.
Ainda não é esse o estágio, mas se e quando ele for atingido, será necessário decidir que tipo de proteção, se houver, devemos dar a trabalhos criados por algoritmos inteligentes emergentes com pouca ou nenhuma intervenção humana. O sistema internacional de propriedade intelectual precisará ser repensado para admitir autoria de obras que não necessariamente foram fruto do intelecto ou espirito criativo humano.
Aline Schraier de Quadros
é advogada de Propriedade Intelectual, formada na UFPR e Universidade de Coimbra, tem experiência nas áreas de Propriedade Intelectual, Estratégia, Transferência de Tecnologia, Contratos e Direito Empresarial. Conecte-se com Aline pelo LinkedIn.
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