Uma das minhas primeiras e mais marcantes experiências na vida acadêmica e científica aconteceu em um aula prática de Química Orgânica, logo no início da minha faculdade. Eu estava apenas no início do longo processo de adquirir destreza em manusear vidrarias, preparar experimentos e lidar com volumes precisos. Eu ainda não sabia disso e estava convicta que estava arrasando – e quem já trabalhou em um laboratório de química pode testemunhar que essa é uma habilidade conquistada com muito tempo e prática.
Até que, em uma fatídica aula, um simples experimento não deu certo.
A primeira reação, minha e de meus colegas, foi:
“Galera, corre, vamos repetir tudo para fazer dar certo!” E foi exatamente isso que começamos a fazer.
Até que ouvimos o professor declarar:
“Parem com isso! O que vocês estão fazendo?”
E foi nesse momento em que eu fui apresentada a um dos principais pilares do método científico:
Deu errado? A sua primeira reação não deve ser refazer até dar certo.
A primeira pergunta a ser feita é:
“O que aconteceu para produzir esse resultado inesperado?”
O “conceito” por trás disso
Não é recente a observação do potencial de realização de descobertas a partir de resultados inesperados.
A palavra Serendipismo, adaptação em português do inglês Serendipity, foi criada em 1754 pelo escritor Horace Walpole ao adaptar para o inglês o conto persa infantil Os três príncipes de Serendip. Na história é destacada a seguinte realidade:
“À medida que os príncipes viajavam, eles sempre faziam novas descobertas, por acidente e com sagacidade, de coisas que eles não estavam à procura.”
Sobre descobertas por acaso
Basta você pesquisar por “descobertas por acaso” na internet e encontrará diversas listas com exemplos de produtos do dia-a-dia que foram desenvolvidos por observação de fenômenos inesperados e sua adaptação para propósitos diferentes – e geralmente mais promissores – que os iniciais, desde a penicilina até o forno microondas.
Mas esse tipo de descobertas não se limitam à área científica.
Ferramentas recentes para construção de novas empresas e startups, com destaque ao Customer Development, ressaltam a importância de testar ideias de produtos e serviços no mercado.
Estas ferramentas consideram que soluções para demandas de mercado se baseiam em hipóteses – será que os seus clientes realmente têm esse problema? Eles estariam dispostos a pagar por sua solução? E justamente por serem hipóteses, devem ser testadas, validadas e renovadas.
A lógica por trás dessa estratégia de consolidar ideias é evidente, mas seu sucesso depende de um fator importantíssimo: o desapego.
Você já deve ter visto (a falta de) desapego de ideias em ação. Frases como “ninguém entendeu a minha ideia”, “ele não sabe que precisa disso”, “comigo vai ser diferente”, usualmente não contribuem muito na validação de hipóteses e consolidação de ideias que se adequem às melhores oportunidades.
Ou seja, buscar entender o real motivo de uma falha e de o porquê uma hipótese não é válida, aumenta a possibilidade de identificar novas oportunidades, muitas vezes mais disruptivas que as ideias iniciais.
Outro lado do “desapego de ideias”, é ilustrado pelo exemplo que iniciou esse artigo: meus colegas e eu acabamos sem fazer descoberta inesperada alguma, mas a reflexão dos motivos pelos quais não obtivemos os resultados previstos nos tornou mais conscientes dos pontos de melhoria de nossas habilidades naquele tipo de ambiente. Caso tivéssemos repetido todos os procedimentos até alcançar o resultado esperado, talvez fosse demorar um pouco mais para notarmos nossas limitações.
Em outras palavras, desde a concepção de novos produtos e serviços até descobertas científicas, é fundamental a habilidade de manter a mente aberta para múltiplas possibilidades e para buscar as causas de resultados inesperados. Especialmente em tempos de crise, a capacidade de renovação e adaptação a cenários dinâmicos pode ser o diferencial para a manutenção e crescimento de empresas.
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Quer saber mais sobre o assunto?
How to Cultivate the Art of Serendipity – The New York Times [em inglês]
Veja 20 descobertas da ciência que surgiram por acaso – UOL
A História da Avon – você sabia que o fundador da Avon começou como vendedor de livros? Quando ele começou a distribuir perfumes como brindes às suas clientes, ele observou que os perfumes passaram a ser mais requisitados do que os livros. E, a partir dessa observação, ele decidiu trocar de ramo e fundou a Avon, hoje com mais de um século de existência.
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Carolina Heimann
é engenheira de bioprocessos e biotecnologista pela UFPR, e tem experiência nas áreas de Propriedade Intelectual, Estratégia, Transferência de Tecnologia, Gestão e Inovação.
Esse texto “Sobre a arte de descobrir aquilo que você não estava procurando” é livre e open source. Você tem permissão para republicar esse texto sob licença Creative Commons (https://creativecommons.org/